sábado, 23 de maio de 2009

Inércia


Para muitas pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma desistência, certa letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que nos aconteça e não fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo novo. A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que é. A resistência interior acontece quando dizemos "não" para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas "vão mal", o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente a aquilo que é. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos de aceitar quando falo de entrega, mas apenas o segmento minúsculo chamado o Agora.

No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se realizam e como o milagre da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse: "Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam".

Não se entregar endurece a casca do ego, e assim cria uma forte sensação de separação. O mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como ameaças. Surge uma compulsão inconsciente para destruir os outros através do julgamento e uma necessidade de competir e dominar. Até mesmo a natureza vira sua inimiga e o medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das coisas. A doença mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente mais aguda desse estado normal, embora disfuncional, da consciência.




quarta-feira, 20 de maio de 2009

Parakletos


A era cristã promoveu uma ética de perfeição em sua ênfase sobre a figura de Jesus Cristo, mas uma era genuinamente nova ou vindoura estará, para Jung, baseada sobre uma ética da totalidade, cujo foco não será Jesus, mas o Espírito Santo: "O Espírito Santo é uma reconciliação de opostos, e daí a resposta ao sofrimento no Ente Supremo que Cristo personifica". Uma Nova Era do Espírito, de acordo com Jung, apresentará não a segunda vinda de um Cristo humano, mas "a revelação do Espírito Santo a partir do próprio homem". A Era Vindoura não destruirá o Cristianismo, substituindo-o com paganismo, mas transcenderá o Cristianismo histórico substituindo a imitação de Cristo pela experiência direta e vivente do Espírito Santo. O próprio Cristo insinuou (João 16:7-13) que o Espírito Santo ou Confortador viria depois dele, não apenas para derramar as línguas do Pentecostes sobre seus discípulos, mas para impregnar toda a humanidade com o "espírito da verdade". Para Jung, portanto, uma compreensão correta da totalidade é essencial não apenas para nossa saúde psicológica pessoal, nosso bem-estar moral e ético, e nosso senso humano de sentido da vida, mas é o padrão pelo qual participamos na auto-evolução do divino. É por isto que Jung insiste através de seus escritos que nós devemos manter a tensão entre os opostos e nos movermos adiante; não devemos relaxar a tensão de modo que os opostos percam sua definição e retornem ao uroboros primevo (a tal sopa primordial): "Sem oposição não há fluxo de energia, não há vitalidade. A falta de oposição leva a vida a uma estagnação aonde quer que tal falta alcance". Jung não era um guru da Nova Era que pregava profundo relaxamento e a dissolução do estresse, mas pelo contrário, ele implorava aos outros para permanecerem conscientes de divisões, fortalecer isso, e manter os opostos em relação dinâmica. Somente então poderá a "função transcendente", que em metapsicologia junguiana seria o Confortador ou Paracleto, vir em nosso auxílio e tornar suportável a carga que estamos carregando.


quarta-feira, 13 de maio de 2009

Restos


"As verdades são os esqueletos que sobram depois que a capacidade de despertar os sentidos – de provocar arrepios – é desgastada pela familiaridade e pelo uso prolongado. Depois de retiradas as escamas das asas de uma borboleta, tem-se a transparência, mas não a beleza – a estrutura formal sem o conteúdo sensorial. Depois de desgastado o frescor da metáfora, temos a linguagem clara, literal, transparente – o tipo de linguagem atribuído não a nenhuma pessoa em particular, mas ao “senso comum”, à “razão” ou à “intuição”: idéias tão claras e distintas que é possível enxergar através delas. Por isso, se suas metáforas, como as de Euclides, Newton ou J. S. Mill, forem socialmente úteis e literalizadas, você será honrado no plano abstrato e esquecido no particular. Terá se tornado um nome, mas deixado de ser uma pessoa. Entretanto, se, como Catulo, Baudelaire, Derrida e Nabokov, seus textos produzirem (apenas ou também) arrepios, você terá uma chance de sobreviver como mais do que um nome. Talvez venha a ser, como Landor e Donne, uma das pessoas com quem um futuro Yeats esperará cear ao fim do dia.”

(Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, p.253)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Semi ótica


"Vocês é que se equivocam em relação a mim, achando que eu não tenho ou não posso ter outra realidade afora esta que vocês me dão, a qual é apenas sua, acreditem; uma idéia sua, aquela que fizeram de mim, uma possibilidade de ser tal como vocês a percebem, como lhes parece, como reconhecem possível em vocês- já que, sobre aquilo que eu possa ser para mim, não só vocês não podem saber nada, mas tampouco eu mesmo".

Luigi Pirandello

sábado, 2 de maio de 2009

Inside


Me pergunto agora como devo interpretar as coisas. Palavras, gestos, entonações. Me pego repensando um assunto antigo. Hoje eu sou C de confusão. Porque gostaria de saber todas as respostas pras perguntas que me faço sobre um certo incidente, mas não encontro respostas. Pudera, "a gente nunca pode julgar o que acontece dentro dos outros". Se eu soubesse o que se passa dentro dos outros a vida seria infinitamente mais fácil.

Se eu soubesse o que se passa dentro dos outros, mudaria o que acontece dentro de mim? E o que exatamente acontece dentro de mim? Essa virou a grande questão dos últimos dias.