quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Análise do Homem


A doutrina de que o egoísmo é o mal supremo e de que amar a si mesmo exclui amar os outros não se restringe de maneira alguma apenas à Teologia e à Filosofia, tendo se tornado uma das idéias correntes proclamadas no lar, na escola, no cinema e nos livros; com efeito, em todos os meios de sugestão social. “Não seja egoísta” é uma frase que foi usada para impressionar milhões de crianças, em gerações sucessivas. Seu significado é um tanto impreciso; a maioria das pessoas diria que significa que não se deve ser egoísta, sem consideração ou preocupação com os outros.

Na verdade, geralmente quer dizer mais do que isso. Não ser egoísta implica não se fazer o que se quer, desistir de suas próprias vontades em benefício dos que detêm autoridade. “Não seja egoísta”, em última análise, tem a mesma ambigüidade que possui no calvinismo. Além de seu sentido óbvio, quer dizer “não ame a si mesmo”, mas submeta-se a algo mais importante do que você, a um poder exterior ou a sua interiorização, o “dever”. “Não seja egoísta” se transforma em uma das mais poderosas ferramentas ideológicas para suprimir a espontaneidade e o livre desenvolvimento da personalidade. Sob a pressão desse slogan, pede-se à gente todo sacrifício e submissão completa; somente são “desinteressados” os atos que não atendem ao indivíduo, mas a alguém ou a algo a ele estranho.

Esse quadro, devo repetir, é de certa forma unilateral. Assim como ocorre com a doutrina de que não se deve ser egoísta, também há muita propaganda da tese oposta na sociedade moderna: tenha em mente suas vantagens, aja de acordo com o que for melhor para si; fazendo assim você também estará agindo para o maior proveito de todos.

Com efeito, a idéia de que o egoísmo é a base do bem-estar geral constitui o princípio sobre o qual se ergueu a sociedade competitiva. É de estarrecer como dois princípios aparentemente tão contraditórios puderam ser ensinados lado a lado na mesma cultura; quanto ao fato, porém, não há dúvida. Uma conseqüência dessa contradição é a confusão do indivíduo. Dividido entre essas duas doutrinas, ele fica seriamente inibido para integrar sua personalidade. Essa confusão é uma das fontes mais expressivas da perplexidade e atarantamento do homem moderno.

A doutrina de que o amor a si mesmo é idêntico a “egoísmo” e uma alternativa para o amor a outros invadiu a Teologia, a Filosofia e o ideário popular (…) Acodem as seguintes perguntas: (…) será o amor a si próprio o mesmo fenômeno que o egoísmo, ou serão eles opostos entre si? Outrossim, será o egoísmo do homem moderno uma preocupação consigo mesmo como indivíduo com todas as suas potencialidades intelectuais, emocionais e sensuais? Não terá ele se convertido em um apêndice de seu papel sócio-econômico? Será o egoísmo idêntico ao amor-próprio ou não será ele causado pela própria falta deste? (…)

Egoísmo e amor-próprio, longe de serem idênticos, são de fato opostos. A pessoa egoísta não ama a si mesma demasiadamente, mas muito pouco; com efeito, ela se detesta. Essa falta de ternura e desvelo por si mesma, que é apenas uma expressão de sua falta de produtividade, deixa-a oca. Ela forçosamente se sente infeliz e ansiosamente preocupada em agarrar com avidez as satisfações da vida que ela se impede a si mesma de conseguir. Parece inquietar-se por demais consigo, mas na verdade o que faz é tão só uma malograda tentativa de disfarçar e compensar sua deficiência para cuidar de seu verdadeiro eu. Freud alega que a pessoa egoísta é narcisista, como se tivesse retirado seu amor dos outros e o tivesse voltado para a própria pessoa. É fato que os egoístas são incapazes de amar a outros, mas não são tampouco capazes de amar a si mesmos.


ERICH FROMM

Transfiguração


Temos a tendência de pensar em glória como algo a ser atingido através de vitórias extraordinárias num esporte, de realizações comerciais ou por meio da forma pessoal. Na Bíblia, porém, glória tem a ver com o brilho radiante, ligado ao transcendente.
Em alguns momentos cruciais, como na transfiguração, isso se torna claro.
Vejamos, a palavra grega para transfiguração é metamorphoomai, da qual se deriva nossa palavra metamorfose. Denota uma mudança de forma, como, por exemplo, a transformação que ocorre com a borboleta.
O prefixo "trans" significa literalmente "através de". Na transfiguração, um limite ou barreira foi transposta. Podemos chamar de cruzar a linha entre o natural e o sobrenatural, entre o humano e o divino.
A transfiguração cruzou a fronteira das dimensões e entrou na esfera de divino. Na transfiguração, uma luz radiante na figura de Cristo é relatada. Essa luz foi a manivestação visível de que a barreira tinha realmente sido transposta.
Existem algumas similaridades entre esta manifestação de glória e brilho. As diferenças, contudo, são significativas. Enquanto a glória divina refletiu no rosto de Moisés, no episódio da tábua dos mandamentos, ela resplandeceu de Cristo na transfiguração, evidenciando que a fonte era Dele.