sexta-feira, 28 de março de 2014

A última pergunta


A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. [...]

Por décadas, Multivac ajudou a projetar naves e enredar as trajetórias que permitiram ao homem chegar à Lua, Marte e Vênus, e para além destes planetas [...]

Lentamente Multivac acumulou conhecimento suficiente para responder questões mais profundas com maior fundamentação [...]

Então foi indagado: A quantidade total de entropia no universo pode ser revertida?
Multivac mergulhou em silêncio. As luzes brilhantes cessaram, os estalos distantes pararam. E então, quando os técnicos assustados já não conseguiam mais segurar a respiração, houve uma súbita volta à vida no visor integrado àquela porção de Multivac. Cinco palavras foram impressas: “DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

(Passado alguns milhões de anos a pergunta persistia. Multivac agora estava aperfeiçoado  era chamado de AC Cósmico)

 "AC Cósmico" disse o Homem, “como é possível reverter a entropia?”
O AC Cósmico disse, “AINDA NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA”.
O Homem disse, “Colete dados adicionais.”
O AC Cósmico disse, “EU O FAREI. TENHO FEITO ISSO POR CEM BILHÕES DE ANOS. MEUS PREDECESSORES E EU OUVIMOS ESTA PERGUNTA MUITAS VEZES. MAS OS DADOS QUE TENHO PERMANECEM INSUFICIENTES.”
“Haverá um dia,” disse o Homem, “em que os dados serão suficientes ou o problema é insolúvel em todas as circunstâncias concebíveis?”
O AC Cósmico disse, “NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEBÍVEIS.”
“Você vai continuar trabalhando nisso?”
“VOU.”
O Homem disse, “Nós iremos aguardar.”

As estrelas e as galáxias se apagaram e morreram, o espaço tornou-se negro após dez trilhões de anos de atividade. Um a um, o Homem fundiu-se ao AC, cada corpo físico perdendo a sua identidade mental, acontecimento que era, de alguma forma, benéfico.
A última mente humana parou antes da fusão, olhando para o espaço vazio a não ser pelos restos de uma estrela negra e um punhado de matéria extremamente rarefeita, agitada aleatoriamente pelo calor que aos poucos se dissipava, em direção ao zero absoluto.
O Homem disse, “AC, este é o fim? Não há como reverter este caos? Não pode ser feito?”
O AC disse, “AINDA NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.”

A última mente humana uniu-se às outras e apenas AC passou a existir – e, ainda assim, no hiperespaço.
 A matéria e a energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o homem com o homem. Todas as outras questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC não poderia descansar sua consciência. A coleta de dados havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender. No entanto, os dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as maneiras possíveis. Um intervalo mensurável foi gasto neste empreendimento. Finalmente, AC descobriu como reverter a direção da entropia.

Não havia homem algum para quem AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por definição – também tomaria conta disso.
Por outro incontável período, AC pensou na melhor maneira de agir. Cuidadosamente, AC organizou o programa. A consciência de AC abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo a passo, isso precisava ser feito.
E AC disse:
“FAÇA-SE A LUZ!”
E fez-se a luz.


(A Última Pergunta - Isaac Asimov, 1956)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Daemon


O inferno são os outros
Estranhos invasores do meu espelho
Refletindo uma imagem distinta e igual a minha
Como indivíduos fragmentados

Quando a gente abre os olhos, o sonho se fecha
Náufrago de um mar de desilusões
Diferentes percepções sobre uma mesma ideia
Mais cedo ou mais tarde tudo se transforma no seu contrário

Afinal, ninguém é uma ilha
Todos são parte do mesmo continente
Desorganização organizada
Fazendo sentido na escuridão do mero ser

Emancipação do ego
Descansando à sombra do falso eu
Uma luz no fim do túnel para o eu perdido
Nas profundezas do eu negado

As escolhas nos empurram por toda parte o tempo todo
O arbítrio e a razão são servos da vontade
Mas não há nada que me prenda a você,
A não ser você, no eu mesmo.